ESTE NÃO É UM LIVRO DE FOTOGRAFIAS

Não somos fotógrafos profissionais. Isto deve ficar claro antes de você começar a folhear este pequeno livro. Nestas páginas você não irá encontrar a seleção das mais “belas” fotos de Ipatinga. Não é esse o objetivo. Não buscamos a melhor imagem, o melhor enquadramento, ou a luz perfeita. Nenhuma das fotos aqui apresentadas foi tratada em algum programa de edição de imagens ou alterada em sua forma inicial. A realidade está em seu estado bruto, livre do uso do “photoshop” e de outras maquiagens. A fotografia aqui é mero instrumento, a ferramenta escolhida para o registro de uma cidade e seus cidadãos. As imagens foram colhidas para gravar episódios e detalhes da vida em Ipatinga. São registros feitos durante dois meses contínuos, de 20 de julho a 20 de setembro de 2010, que buscaram testemunhar o cotidiano, as pessoas, os ambientes, as ambiências, os lugares e os acontecimentos da cidade. Duas fotos, dois olhares distintos e diários sobre uma mesma cidade.
O registro metódico, obrigatório, sistemático e continuado foi a estratégia encontrada para  tornar esta captura mais natural e espontânea. Esta dinâmica nos fez, por bem ou por mal, desvencilhar-nos da obrigação do quadro perfeito. O registro tornou-se uma rotina e, consequentemente, menos pretensioso e ambicioso.  Curioso que, antagonicamente, a disciplina da foto diária teve também como efeito o  treinamento do olhar e, com isso, uma requalificação subjetiva da paisagem. Com este olhar mais atento, valores essenciais e esquecidos pela dinâmica da vida urbana emergiram, tornando a cidade mais atraente. Lugares e pessoas se mostraram. Nuanças se revelaram. A cidade ficou mais bela quando reaprendemos a olhar para ela diariamente.

O TERRITÓRIO E SEUS LUGARES

Ipatinga é o principal polo da Região Metropolitana do Vale do Aço, no estado de Minas Gerais, Brasil. A região é diretamente influenciada pela indústria do aço (Usiminas e ArcelorMittal), da produção da celulose (Cenibra) e pela proximidade com o Parque Estadual do Rio Doce.
No entanto, se esse contexto impõe particularidades muito marcantes na organização espacial, social e econômica do município, ele não encerra as características e valores compartilhados neste território. Ipatinga é mais que uma cidade industrial, e para desvendá-la por inteiro é preciso experimentá-la, não como um prestador de serviço que passa por ela apressado, mas como habitante. Ou seja, devemos tornar habituais as maneiras de nos relacionarmos com as coisas e com os outros moradores da cidade para realmente entendê-la. Para vivenciar Ipatinga e seus lugares é preciso criar relações de pertencimento e se integrar no complexo sistema que a compõe. As imagens deste pequeno livro buscam capturar momentos que revelem essa essência, paisagens diárias que desvendam histórias, rotinas, fluxos e pessoas.

O REGISTRO DO ORDINÁRIO

É curioso perceber como os registros visuais ou escritos e a própria história contada de nossas cidades se baseiam nos acontecimentos extraordinários. Repare como os cartões-postais, as fotos publicitárias ou mesmo os livros de história e revistas retratam sempre a melhor visada e o melhor momento. As imagens escolhidas para os cartões-postais, por exemplo, preocupam-se em mostrar o que há de mais “belo” de uma cidade. Postais são compostos pela seleção daquilo que é notório, do que é típico ou peculiar. Os registros escritos seguem a mesma lógica; são sempre imortalizados os momentos atípicos e ditos importantes da história do lugar. Não se vê muitos relatos dos inúmeros dias comuns em que a Dona Maria estendeu sua roupa no varal no fundo de sua casa  construída de forma irregular sobre  a encosta do barranco que ameaça ceder, ou dos dias de calor intenso em que o Seu José pegou o ônibus lotado para ir para seu trabalho a alguns quilômetros de sua modesta moradia localizada na periferia da cidade. Não há “glamour” nessas histórias; pelo menos é o que nos fazem crer os nossos registros históricos. Mas será que essas inúmeras histórias banais não merecem também ser contadas? É cruel constatar que a história registrada é preconceituosa e não vê, ou esconde deliberadamente, o dia a dia dos cidadãos comuns e os espaços ordinários que eles coabitam.

Partindo desse pressuposto vale questionar sobre o que, de fato, reflete a essência de uma comunidade e de suas vivências. Será que a vida real está nos lampejos mágicos e nos tais “pontos turísticos” retratados nos cartões-postais ou está nas ruelas esburacadas ou nos rostos não maquiados das donas de casa e dos inúmeros trabalhadores que sustentam a dinâmica das nossas cidades? Será que a essência não está nas rotinas diárias e no ordinário? Será que o cotidiano não é mais revelador do que este mundo perfeito retratado por esses registros fabricados?

Segundo Henri Lefebvre  “O mundo humano não está definido simplesmente pelo histórico, pela cultura, pela totalidade ou pela sociedade em seu conjunto, nem por superestruturas ideológicas e políticas. Está definido por um nível intermédio e mediador: a vida cotidiana”. O ordinário é revelador. Nele se amontoam as trivialidades, as rotinas, a essência das experiências diárias. O ordinário sim, é relevante; ele sim, reflete, com a dureza do cotidiano, as vivências e trocas que constroem nossas sociedades. E foi com isso em mente que nós fizemos estes registros. São dois meses de registros pessoais, não oficiais. Aqui são apresentados momentos que compõem uma narrativa ancorada em duas perspectivas que acreditam que o habitar particular consegue construir uma cidade coletiva. Ver estas imagens é reconstruir diversas histórias, um cotidiano reinventado e ordinário.







THIS IS NOT A BOOK OF PHOTOGRAPHY



We are not professional photographers. This should be clear before you start browsing through this small book. On these pages, you will not find the selection of the most “beautiful” photos of Ipatinga’s city. That is not the goal. We do not seek the best picture, optimum framing, or the perfect light. None of the photos presented here has been treated in any image editing software, or modified in its initial form. The reality is in its raw state, free from “Photoshop” use or any other makeup. The photo is a mere instrument here, the tool chosen to register a city and its citizens. The images were taken to record episodes and details of life in Ipatinga. They were made during two continuous months, from the 20th of July to the 20th of September 2010 to witness the daily life, its people, their environments and ambiences, its places and events. Two pictures, two different and daily angles from the same city.
The methodical, mandatory, systematic and sustained record strategy was taken to make this capture more natural and spontaneous. This dynamics have made us get rid of the perfect picture obligation. The register became a routine and, consequently, less pretentious and ambitious. Curious that antagonistically, the discipline of a daily photo had also the effect of training our vision and, therefore, a subjective reclassification of the landscape. With this closer look, essential and forgotten urban life dynamics’ values emerged, therefore it made the city more attractive. Places and people appeared, nuances were revealed. The city became more beautiful when we relearned to look at it daily.

THE TERRITORY AND ITS PLACES

Ipatinga is the main city of the Vale do Aço’s metropolitan region, located in the state of Minas Gerais, Brazil. The region is directly influenced by the steel industry (Usiminas and ArcelorMittal), the cellulose production (Cenibra) and its proximity to the Parque Estadual do Rio Doce.
However, if the context requires striking and unique spatial, social and economic organizations, it does not lock up the characteristics and values shared in its territory. Ipatinga is more than an industrial city and to unmask it entirely, it is necessary to try it, not as a service lender that passes for it hastily, but as an inhabitant. That is, we find the habitual ways to relate with its things and with the inhabitants of the city to really to understand it. To experience this city and its places, it is important to belong to it and integrate into the complex system that composes it. The images in this small book seek to capture the moments that disclose this essence, daily landscapes and that reveals stories, routines, flows and people.

THE REGISTER OF THE ORDINARY

It is curious to see how visual registers and writings and the very story of our cities are based on the extraordinary events. Notice how the postcards, the publicity images or even the history books always portray the best of the city. Postcards are made by the selection of what is known, what is typical or peculiar. Written records follow the same logic. You do not see many reports of the day that Mrs. Maria put her clothes to dry on the clothesline in the back of her house, which was illegally built on the ravine slopes that threatens to fall. Neither is presented the intense heat of the day in which uncle Joseph used the crowded bus to go to work a few miles from his modest house located in the town’s periphery outskirts. There is no glamour in these stories; at least that is what it is imposed to us to believe in our historical records. But do these innumerable banal stories also deserve to be told? It is cruel to note that our registered history is based, or does not see, or hides intentionally, the daily life of common people and its ordinary spaces.
Based on this, it is worth questioning what, in fact, reflects the essence of a community and its experiences. Is real life reflected in the magic and sparkles of such postcards sights or in the streets full of roles that exist in our city? It is reflected on the nude housewives faces or on the many workers that sustain the dynamics of our cities? Is the essence in daily routines and the ordinary? Is everyday life more revealing?
According to Henri Lefebvre, “The human world is not simply defined by history, by culture, by its totality or by the society as a whole, not by ideological and political superstructures. It is defined by an intermediate and mediating level: the daily life”. The ordinary is revealing. It accumulates trivialities, routines, essence of the daily experiences. The ordinary is relevant; it reflects experiences and exchanges how we build our societies. It was with this in mind that we made these registers. Two months of personal and non-official records. Here, moments are presented to compose a narrative anchored in two perspectives. To see these images are to reconstruct several stories, it is to reinvent everyday and ordinary life.